
Assunto: descaracterização de cargo de confiança - horas extras.
Valor final do processo: R$ 289.792,50
Resumo: bancário “gerente” que ganhou jornada de técnico, com horas extras após 6h de trabalho.
Cronologia:
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O processo tramitou em Brusque - Santa Catarina, Cidade em que teve início, conforme as regras previstas na CLT (você pode encontrar artigos sobre o tema “cargo de confiança” e “horas extras” no BLOG do site).
OUÇA A ANÁLISE DA PETIÇÃO INICIAL
I - Petição inicial.
Conforme trecho da petição inicial colacionada abaixo, a parte Reclamante fez um breve relato sobre sua rotina de trabalho:
A petição inicial expõem: I - os fatos, II - os fundamentos jurídicos e, III - os pedidos. O foco da petição inicial trabalhista está na correta descrição dos fatos, SEMPRE; a fundamentação jurídica se faz presente e necessária, contudo, é circunstancial na esmagadora maioria dos casos. Isto porque, o Juiz do Trabalho dará especial atenção aos fatos provados no curso do processo. (OBS: você pode encontrar artigos no site sobre o princípio da primazia da realidade no Direito do Trabalho, e sua influência na produção de prova).
O pedido em análise, pretende, primeiramente, que o Juiz declare (que ele diga) a norma jurídica aplicável ao caso já que se levanta controvérsia sobre a própria natureza das atividades do Bancário - e as respectivas regras aplicáveis, por conseguinte -, visto que existem várias regras, cada qual para uma situação específica. Para entender melhor, você pode pesquisar artigos no nosso blog sobre descaracterização da função de confiança.
Em segundo lugar, ou seja, após a definição da regra aplicável, pretende-se que o Juiz condene o banco Reclamado ao pagamento das horas extras, quais sejam, as que excedem a 6° hora trabalhada. Para tanto, apresenta-se a jornada de trabalho do Bancário autor deste processo.
As alterações introduzidas na CLT, em 2017, realizaram pequenas mudanças processuais, e, com elas, a forma de determinar o pedido. Portanto, atualmente, requer-se uma delimitação mais precisa, inclusive quantificando o que se pretende a título de horas extras.
À época, era o necessário.
OUÇA A ANÁLISE DA CONTESTAÇÃO
II - Contestação
Em defesa escrita, é comum os bancos realizarem apontamentos de algumas das funções descritas em normativos internos, e incluídos nas descrições dos cargos, observe-se:
Esta é uma defesa padrão, utilizada pelo banco em pedidos desta natureza. Observe-se que, na petição inicial, o Bancário narra que a despeito de seu cargo ser intitulado como “supervisor”, “gerente”, e afins, suas atribuições não denotam a fidúcia especial descrita pela CLT, para, como bancário, estar enquadrado em uma jornada de 8h diárias.
Portanto, em defesa, o Banco apresenta fato impeditivo do direito requerido pelo Bancário, ou seja, para o Banco, o Bancário autor do processo se destaca dos bancários de nível técnico, por isso merece enquadramento jurídico diferente.
Este enquadramento realizado pelo banco, no dia-a-dia do Bancário, o inclui numa jornada de 8h, e não de 6h, como deveria ser.
Resumindo até aqui, o Bancário diz ao Juiz que deveria trabalhar 6h por dia, e não 8h; o Banco, por sua vez, diz que o Bancário deveria trabalhar 8h por dia, e não 6h. Desta forma, estão instauradas as controvérsias que guiarão a produção de prova: I - quais são as reais atribuições do Bancário autor do processo, II - estas atribuições são suficientemente distintas das confiadas aos demais bancários (de nível técnico), entre outras. Você poderá encontrar artigos relacionados ao tema no nosso site!
OUÇA A ANÁLISE DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO
III - Audiência de instrução
Durante a audiência de instrução, algumas respostas podem ajudar o Juiz a esclarecer qual é a real função do Bancário na agência em que trabalhava, e, por fim, decidir qual norma jurídica aplicar ao caso em análise. Primeiramente, o depoimento da Reclamante:
Em depoimento, o autor da ação deve confirmar os fatos alegados na petição inicial. No caso, tendo o Bancário pedido reenquadramento jurídico de sua jornada de trabalho, de acordo com suas reais atribuições, fica claro que o ponto controvertido deste pedido é justamente estabelecer as reais atribuições de sua função, vez que a sua versão e a do Banco são diametralmente opostas.
Nos trechos acima transcritos, o Bancário confirma o que foi informado ao Juiz na petição inicial, possibilitando o seguimento do processo, e.g. de que não possuia autonomia para tomar decisões importantes, e que, em suma, a despeito da nomenclatura de sua função (“gerente”), suas atividades não o diferenciavam de um bancário de nível técnico.
O seu depoimento não tem valor probatório para o deferimento do pedido. Ou seja, o Juiz não poderá, única e exclusivamente, basear sua decisão no depoimento do autor do processo, caso decida conceder o pedido, por uma questão lógica muito simples: foi ele mesmo quem realizou os pedidos, e narrou os fatos (que, até serem provados, são apenas suposições).
Seguindo, vejamos o que diz a preposta do Banco, em depoimento:
Aqui, uma situação bastante interessante. Observe que, o depoimento do Bancário autor do processo, confirmando os fatos alegados na petição inicial não pode ser usado pelo Juiz como fundamento exclusivo para o deferimento do pedido; contudo, a mesma regra não se aplica ao Banco.
O Banco (Réu), em seu depoimento, confirma alguns dos fatos que o autor narrou em sua petição. Não se trata de uma confissão direta (o que dificilmente acontece), obviamente, mas, são fatos que já não demandam maior investigação, e são aptos à fomentar uma decisão com os demais elementos.
Assim sendo, ao analisar o conjunto probatório, o Juiz vai sopesar o fato de que o Bancário não tinha posição hierárquica superior a nenhum funcionário do banco, no mesmo setor. E porque isso tem relevância? Ora, que “gerente” ou “supervisor” não tem um grupo para “gerenciar” ou “supervisionar”!? Afinal, o que ele estaria “gerenciando”?
Depois das partes, ouvem-se as testemunhas individualmente, começando pelas testemunhas convidadas pelo autor.
A única testemunha indicada pelo autor, também confirmou os fatos da petição inicial; ora fazendo as mesmas afirmações que o autor, e a própria Reclamada (observe que, já parece estar se formando um consenso sobre o assunto), ora revelando novos fatos que, igualmente, vão ao encontro do que narrado inicial, e.g.que é o gerente geral quem autoriza os créditos no comitê (embora outros figurem), que o autor, enquanto “gerente”, sequer possuía as chaves da agência, e assim por diante.
Como a parte autora não apresentou mais testemunhas ao Juízo, passou-se às testemunhas do Banco.
Observe-se que, a produção de prova é uma faculdade das partes, e, se não for conveniente, a parte que convidou a testemunha não precisa nem mesmo apresentá-la ao Juízo, como, por exemplo, em uma situação em que os fatos já estão suficientemente provados, e, uma nova testemunha poderia trazer dúvidas, ao invés de reforçar o que foi feito.
Após, passa-se para as testemunhas da Reclamada.
A primeira testemunha confirma a falta de relevância da parte Reclamante no chamado "comitê de crédito”, sendo somente figurativa a sua presença, também afirma que a Reclamante não possuía uma equipe para gerenciar (subordinados), nem poderes representativos, entre outras circunstâncias.
A esta altura, é possível fazer o delineamento dos fatos através das provas produzidas. Ou seja, é possível estabelecer algumas das tarefas que, de fato, constituíam o trabalho diário da Reclamante; também é possível formar uma base sólida para desconsiderar o rol de atribuições apresentado por escrito pelo banco em contestação.
Ou seja, o cenário, até então, está bastante favorável para uma sentença de procedência do pedido.
Ainda, certamente, na tentativa de reverter o prejuízo causado pela primeira testemunha que convidou, o banco se arriscou chamando mais uma:
A segunda testemunha convidada pelo banco, além de não trazer nada de novo aos autos, ajudou a confirmar todas as alegações da petição inicial e os depoimentos anteriormente dados pelas demais testemunhas.
Todos os depoimentos testemunhais são uníssonos ao informar que, apesar de o banco nomear a Bancário autor da ação com funções de "gerência" e “supervisão”, estes nomes constituíam apenas rótulos, com a finalidade de burlar a aplicação da correta jornada de trabalho. Cabe informar, que, as testemunhas são ouvidas separadamente, assim, os depoimentos não são influenciados pelo depoimento anterior.
Depreende-se da ata de audiência que, não houveram mais provas a serem produzidas, e, finalizada a fase de instrução, sobreveio a sentença:
Vamos à sentença:
OUÇA A ANÁLISE DA SENTENÇA
IV - Sentença
Pois bem, após a leitura da sentença, você deve ter notado que o Juiz negou o pedido do autor; e assim o fez, fundamentando seu convencimento nas provas que mais lhe transmitiram a sensação de verossimilhança sobre o contexto em que o Bancário autor estava inserido, e se suas atribuições o tornavam gerente.
Breve parêntese: conforme resumo dos cálculos (apresentado logo no início desta análise) ao final do processo, o Bancário saiu vencedor do pedido; portanto, esta sentença foi reformada pelo Tribunal Regional, a fim de uniformizá-la com a prova produzida.
Seguindo, não há regra determinando previamente o valor de cada prova produzida (ao menos, no ordenamento jurídico Brasileiro), sendo assim, o Juiz é livre para formar seu convencimento sobre os fatos com “seus próprios olhos” (é inegável que outras variáveis, inclusive de caráter pessoal, influenciam a decisão; contudo, isto é tema para outro artigo, e você poderá lê-lo em breve em nosso site); a única exigência legal é que, ao menos, tal convencimento seja oriundo dos elementos constantes nos autos.
No presente caso, no que se refere a rotina de trabalho do autor, praticamente a íntegra dos depoimentos das testemunhas (tanto das testemunhas do autor, quanto do Banco) foram ignorados pelo Juízo sentenciante, que acabou utilizando outros elementos (por sinal, dão uma noção muito abstrata sobre a realidade do contrato de trabalho da Reclamante).
É de se notar que, quando uma decisão destoa dos reais elementos probatórios, têm (as decisões ou sentenças), por característica, um alto grau de generalização, ou seja, raramente você lerá na sentença: “no caso da Reclamante”, “neste caso”, “O depoimento da testemunha …”; ao revés, como informado, você verá referências genéricas como “um supervisor”, “os gerentes”, “em casos semelhantes”, etc. E, desta forma o Juiz procedeu para negar o pedido do Bancário autor do processo.
Portanto, em primeiro grau, o Juiz entendeu que o Autor não tem direito de receber horas extras; mas, ressalte-se, isso em primeiro grau apenas, o processo continua nas instâncias superiores.
Assim, sendo improcedente o pedido, mas, estando, o processo, rico em conteúdo, a sentença foi objeto de recurso ao Tribunal Regional da 12° Região - Florianópolis, oportunidade em que os Desembargadores observaram que o Juiz errou ao avaliar as provas, e a sentença de improcedência mereceu reforma, o que rendeu ao autor do processo uma ação de mais de 200.000,00 (duzentos mil reais).



